“Racismo, exclusão ou dor de existir?”
Por Vanda Ferreira
Falar sobre esse tema me faz percorrer as dificuldades antigas, quando ainda no processo de busca de homens, mulheres e crianças no continente africano.
Falar sobre esse tema me faz percorrer as dificuldades antigas, quando ainda no processo de busca de homens, mulheres e crianças no continente africano.
Durante muito tempo, e hoje nem tanto, um dos maiores obstáculos de nossa luta foi escrever a Odisséia do nosso povo, por nós mesmos. Os registros existentes são todos escritos pelo opressor, não há registro, apenas traços, de uma história impressa nas marcas do nosso corpo, de nossas vidas e do nosso cotidiano, nisto incluo, principalmente, o silêncio historiográfico dos dramas sociais legados ao nosso povo durante esses mais de quinhentos anos.
As marcas estão nos exemplos mais clássicos de racismo que mostram claramente a decadência de um projeto em que muito se investe, mas que não se sustenta. Aliás, falar nesse termo lembra-me que de sustentabilidade nós entendemos muito bem...
Gostaria, sem modéstia alguma, de interferir no pensamento de todos (as), sensibilizando-os (as) para esta matéria delicada.
Cumprir a tarefa de responder à altura os desafios impostos a nós tem sido veículo de uma história que só o movimento negro sabe contar e tem registrado.
Focar o esforço com que o negro em sua diáspora sinaliza os equívocos e suas conseqüências que a construção do racismo vem produzindo nos últimos quinhentos anos tem sido um desafio e também um componente crítico para a nossa saúde mental.
Talentosos individualmente, coletivamente poderosos temos resistido nesse mundo de exclusão e de racismo.
A academia, os projetos políticos tentam ou pensam que nos ajudam a enfrentar os desafios da caracterização de coexistir neste mundo globalizado e forjado com base na exploração do mundo africano, como forma de enriquecimento dos povos colonialistas e anulação dos africanos, que se refletem nos negros de diferentes nacionalidades.
O acesso ao desmantelamento dos mitos através do conhecimento da história dos povos africanos no período colonial e nos dias atuais (vide Ruanda e Serra Leoa) poderá ser o caminho para ascensão de novos talentos num mundo globalizado e competitivo.
Através desses três eixos: “Racismo, Exclusão e Dor de Existir” podemos começar a entender o Brasil através de uma riquíssima pesquisa que venha dar valor à importância dos registros das oralidades das culturas negras tendo como principal objetivo demonstrar as conseqüências negativas que implicam na formação social e econômica desse segmento da população brasileira.
Considero enriquecedor esse novo olhar, essa nova forma de transmissão e abordagem da história do Brasil que provavelmente trará como registro farta documentação histórica marcada pelas expressões que feriram e ferem o nosso consciente, o inconsciente e o nosso Ser, não permitindo uma coexistência mais harmônica com o Outro.
Aí sim, será possível ver, por um novo ângulo, a relação e a importância das matrizes que poderão fazer o Brasil emergir, nos próximos cinco séculos que virão, como uma grande nação.
Visão esta que não tem sido demonstrada com a mesma exatidão pelos autores que abordam tal assunto e que consideram o tráfico negreiro como uma das vertentes da realidade específica da escravidão negra no Brasil.
A bipolaridade destas relações tem sido incompatível para a abertura de novos campos de reformulação. Envolver a psicanálise nesse contexto histórico pode ser muito rico e produtivo para a cultura afro-brasileira e para a análise dos comportamentos da realidade negra brasileira, pois estaremos assim procurando esclarecer a problemática específica que nos envolve.
Talvez o grande desafio da psicanálise seja entender como se processou a preservação da Cultura Negra na África e em sua diáspora, a anulação da África como berço do processo civilizatório da humanidade e ela sendo colocada na história mundial como se fora uma civilização menor em detrimento da desvalorização de sua cultura.
Estudar os efeitos maléficos e suas conseqüências causadas nos afrodescendentes na sociedade atual é entender alguns distúrbios psíquicos que a relação escravocrata nas Américas deixou como legado nas gerações dos oprimidos, que nada mais é que o desmantelamento do seu ser.
O nosso cancioneiro popular traduz muito bem em alguns sambas-enredo que do século XVI até os nossos dias as mudanças para integração dos negros na sociedade foram pouco significativos.
O antes e o depois, o aqui e o agora, e o futuro como réu.
Vejo que essa parte da ciência biomédica, a psicanálise poderá ser um grande aliado na luta pelos Direitos Humanos e na preservação da nossa espécie (a humana) se alguma de suas correntes quiser inovar e trabalhar em cima dos dados que o grande psiquiatra Franz Fanon revela.
As grandes descobertas, na maioria das vezes, estão centradas na quebra de paradigmas. Pensar no indivíduo como se todos os seres humanos fossem iguais nas suas relações sociais é que me parece ser a grande utopia da psicanálise e o que nós negros desejamos é ter a possibilidade de assegurar a nossa existência no Brasil e no mundo sem as mazelas do racismo.
Em apoio a Lei 10.639 pretendemos através desta coluna publicizar os resumos das monografias dos alunos(as) da turma de Pós-Graduação da História da África e do Negro do Brasil da Universidade cândido Mendes do ano de 2008.
O tempo não para e todos os brasileiros precisam contribuir para a aplicação desta Lei. Esta será a nossa pequena contribuição para a nosso publico das casas de Axé.
Vanda Maria de Souza Ferreira
e-mail: vandamf@gmail.com
Tel: 2295-9325
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